O Passivhaus, ou casa passiva, é um modelo de construção que desde o seu nascimento na Alemanha há três décadas tem vindo a espalhar-se gradualmente pelo mundo graças à sua capacidade de reduzir o consumo energético e gerar conforto. Em Espanha este padrão ainda é minoritário, mas são cada vez mais os gabinetes de arquitectura que apostam nisto. Como é o caso de CSO arquitectura

Javier de Antón

Conversámos com o arquiteto e sócio fundador da CSOJavier de Antón – sobre um projeto atrativo que se materializou na localidade madrilena de Boadilla del Monte. Trata-se de uma vivenda unifamiliar de arquitetura racionalista com 600 metros quadrados na qual foram aplicados os princípios passivhaus com excelentes resultados. No início de março a casa está em processo de certificação, que culminará com a obtenção do certificado passivhaus correspondente em 2021.

P. Vamos começar com uma breve história deste projeto. Foi planeada como passivhaus desde a sua concepção?

R. Foi-nos encomendada por um engenheiro que conheci há 15 anos. Nessa altura projetamos uns escritórios que ele construiu e, como ele gostou muito do projeto, assegurou-me que no dia em que decidisse fazer uma casa nos chamaria de novo. E cumpriu a sua palavra.

Na verdade, a primeira premissa do projeto não foi fazer uma habitação passiva. O cliente, que tem uma empresa de construção industrializada em metal, é um apaixonado da arquitetura moderna. A sua abertura à inovação facilitou-nos colocar-lhe a questão da eficiência energética e do certificado passivhaus. Explicámos em detalhe e ele gostou.  Claro que o conceito de passivhaus agrada a todo o mundo já que é um certificado de boa construção.

“Tivemos o inverno mais  gélido dos últimos 50 anos e a fatura do aquecimento foi de apenas 80 euros por 600 m2”

P. E reconhece algumas vantagens incontestáveis. Quais destacaria no caso concreto desta vivenda?

R. Primeiro, uma importante poupança energética. Boadilla del Monte é um lugar fantástico, mas com invernos muito frios, e portanto a eficiência energética converteu-se num elemento de primeira necessidade. Sem ir mais longe tivemos o mês de Janeiro mais gélido dos últimos 50 anos e a fatura do aquecimento foi de apenas 80 euros.

Não menos importante é a questão da saúde. A casa tem um sistema de purificação do ar que funciona 24 horas por dia e mesmo quando estamos dentro nota-se a sensação de pureza através do olfato. Cabe citar também o isolamento: o ruído exterior não se percebe. O conforto entra pelos sentidos.

Não menos importante é a questão da saúde. A casa tem um sistema de purificação do ar que funciona 24 horas por dia e mesmo quando estamos dentro nota-se a sensação de pureza através do olfato. Cabe citar também o isolamento: o ruído exterior não se percebe. O conforto entra pelos sentidos.

Foto exterior vivienda unifamiliar industrializada passivhaus con Knauf AQUAPANEL

P. Isto é o que ganha o cliente, mas o que ganha o arquiteto?

R. Esta casa, como cada projeto Passivhaus que fazemos, reafirma a nossa própria convicção.  Isso é o que ganhamos. Porque desde que começamos a trabalhar acreditamos nisso.

P. A industrialização tem alguma relação com o fato de ser um projeto Passivhaus?

R. Não. Trata-se de dois conceitos independentes. Uma construção passiva pode ser perfeitamente desenvolvida com arquitetura tradicional e uma construção indsutrializada pode não ser passiva. Neste caso concreto, a opção pela industrialização explica-se sobretudo pelo background do cliente. O mais interessante é que nos permitiu levantar a estrutura literalmente em quatro dias.

“A industrialização nos permitiu levantar a estrutura em quatro dias”

P. De que forma a casa de Boadilla del Monte cumpre com os exigentes parâmetros da certificação?

R. Dentro da certificação Passivhaus existe o Passivhaus Premium que se atribui quando uma casa ou edifício é autossuficiente a 100%. O objetivo aqui não era chegar ao máximo, ainda assim atingimos entre 95% e 97% de autossuficiência em climatização. Com os painéis solares e alguns outros elementos adicionais seria possível conseguir 100% sem problemas.

P. Um dos elementos cruciais em qualquer projeto Passivhaus é a envolvente. Como foi tratado este aspeto?

R. Efetivamente é uma das chaves da construção passiva. A envolvente térmica tem de ser contínua e sem pontes térmicas. Dependendo da zona climática, deve oferecer maior ou menor isolamento. Neste caso, optámos pela caixilharia de alumínio com vidro triplo, talvez em outra zona menos fria não fosse necessário.

Em todas as paredes exteriores temos 25 cm de isolamento que conseguimos com o sistema AQUAPANEL® Passivhaus da Knauf, composto por uma série de camadas, umas mais impermeáveis, outras de mais isolamento, e que também contém barreiras de vapor para evitar as condensações, assim como uma lâmina impermeável exterior. Pessoalmente gosto muito de como funciona.

Além disso, adicionamos uma fachada ventilada em cerâmica separada da envolvente térmica, muito útil no verão, uma vez que se torna um verdadeiro guarda sol e melhora o conforto térmico. Não quero esquecer o pavimento, onde temos 15 cm de isolamento, nem a cobertura ajardinada que, além de suas virtudes estéticas, é um regulador térmico estupendo.

Foto exterior vivienda unifamiliar industrializada passivhaus con Knauf AQUAPANEL

P. A orientação é outro fator relevante

R. Assim é, e para mim é o mais importante. Históricamente, no nosso clima as construções orientaram-se a sul. É inegável que esta orientação dá ganhos térmicos muito interessantes. Na casa de Boadilla del Monte todas as janelas olham para o sul permitindo a captação do sol no inverno e protegendo-se do mesmo no verão graças aos avançados da estrutura. Felizmente, também coincidiu que as melhores vistas são viradas a sul.

P. Com tudo isso, faz sentido perguntar sobre qual o papel do aquecimento?

R. É uma pergunta legítima, mas não tão simples de responder. Em princípio uma casa Passivhaus como esta poderia funcionar sem aquecimento. Os 21 e 22 graus podem ser alcançados perfeitamente. O que acontece é que os clientes o pedem para conseguir maior temperatura e por uma ideia de segurança.

A este respeito, há que acrescentar que a parte inferior está semi-enterrada devido à diferença de cota no terreno, o que conduz evidentemente a menores perdas de temperatura.

Depois, há que considerar a função do recuperador de calor que, para além da sua função renovadora de ar, mantém a temperatura da casa. Devo salientar que quem vive numa casa Passivhaus não tem de abrir as janelas, porque se o fizer vai alterar muito a temperatura. Seria como colocarmos leite frio do frigorifico no café. Se não se cometer este erro, o aquecimento terá de funcionar muito pouco para compensar pequenas perdas de temperatura que se dão ao abrir a porta para sair para o exterior, por exemplo.

Às vezes digo que uma casa Passivhaus é como uma máquina em que é necessário ensinar aos clientes como a usar. Mas as instruções são muito básicas, como vimos.

P. Qual foi o obstáculo mais difícil que foi ultrapassado neste projeto?

R. No geral tudo tem corrido bem. Talvez o mais complicado tenha sido superar o Covid, uma vez que nos dias mais difíceis estávamos em plena construção. Deixando essa questão de lado, eu não falaria de obstáculos, mas talvez o aspeto mais complicado, como em qualquer casa passiva, é conseguir a hermeticidade.

As casas Passivhaus são submetidas a um teste específico sobre hermeticidade, chamado teste blowerdoor que não é fácil de superar porque qualquer perfuração na envolvente ou uma ligeira deficiência na selagem da caixilharia pode gerar perdas.

“Esta casa custou mais 10 % , mas uma habitação passivhaus amortiza-se em 4 ou 5 anos”

Foto exterior vivienda unifamiliar industrializada passivhaus con Knauf AQUAPANEL

P. O Passivhaus é a exceção em Espanha. Porquê?

R. É verdade, agora mesmo é pouco frequente. Talvez uma razão seja o fato de ser um pouco mais caro do que a construção convencional. Esta casa de Boadilla del Monte custou mais 10% pelo fato de ser Passivhaus, mas eu diria que também não é um custo adicional enorme e uma habitação Passivhaus amortiza-se em 4 ou 5 anos. Além disso, o custo da construção em Espanha está entre 800 e 1.000 euros por metro quadrado, na Alemanha chega aos 2.500 euros e outros países europeus aproximam-se mais da Alemanha do que do nosso.

Apesar da crise todos os anos os projetos com certificação passivhaus triplicam. Há uma progressão sustentada e agora começa a ser uma “marca” conhecida. Estou convencido que veremos um avanço ainda maior nesta década.